Expedição, expedir-se e despedir-se

Samantha Buglione
3 min readAug 6, 2019
Expediçao Guarda do Embaú, @Kanaloavaa

Algumas palavras já nascem em superlativo. E nascem no feminino. Expedição é uma delas. Substantivo feminino que acaba em “ão”, no nosso bom português. Substantivo, substância. O sujeito? Qualquer um. Não tem fronteiras no mar, só nas ideias. Expedição é algo sem diminutivos. É praticamente um surto maníaco — lúcido — dos sentidos.

Expedição [etimologicamente falando] é fazer com que algo chegue ao seu destino, e por isso é a jornada. Seja etimologicamente ou simbolicamente ela é encontro. Quantas vezes nos perdemos: do destino e da vontade? Talvez por isso o povo da canoa havaiana goste tanto delas, desse feminino exagerado que mais parece verbo. Uma vez que se pega gosto pelo encontro não faz sentido viver no sozinho. É nesse exagero, típico de um superlativo de vontades, da prontidão e da diligência que o destino se desvela.

O destino tá lá por dentro nesse ato de existir por fora. E muitos são donos de frequentar esse território de dois lados, dos dentro e dos de fora [e do sem lado algum]. Me perdoem, mas expedição é território dos in-conformados. Daqueles que não habitam formas fixas e que se autorizam a se redimir dos próprios medos ou coragens.

Expediçao Guarda do Embau, @kanalovaa

Tem algo de muito generoso nisso tudo. De aceitar o cansaço seu e do outro, sem juízos. De poder desistir sem culpa e se alegrar sem tempo. E tentar gravar em cena muitos gestos para que não deixem de existir na memória. Mas eles estarão lá, para sempre, gravado no corpo, no bolo na forma, no tempero, no recheio, no olhar que exige perceber as variáveis impensáveis, os imprevistos e a mudança de caminho. E tudo bem. Sem apegos ao idealizado e ao riscado.

O mundo se descobre nesse entre, típico das jornadas. Nem só por dentro, nem só por fora. Nem só no preto, nem só no branco. E para encontrar esse lá dentro é preciso, para alguns, ir para longe, bem longe. E pisar onde nunca se pisou. E para conhecer onde se esta a pisar é preciso redimir-se com quem pisa. O mundo nasce nesse respirar que circular entre o fora e o dentro.

E expedir-se é um desejo tolo, como são todos os desejos inúteis [e por isso de valor incontestável porque não são nem perenes nem dos usos], por expandir-se, quase como uma prece por reinventar-se.

Uma expedição é um exagero da nossa vontade. Uma extravagância exclusiva da nossa espécie. Que leva à consciência de que é preciso um pouco mais que bons olhos para ver — e em vezes cada vez mais frequentes — a cansar o corpo ao extremo para ouvir-se. E, conseguir, enfim, frequentar em paz esse que caminha pelo mundo nem sempre certo por onde pisa ou certo sobre quem pisa.

A canoa faz isso. Ela é jornada. Ela é nos amplia, nos refina e nos afina. E nesse expedir-se: algo se vai e algo se encontra.

Expediçao Guarda do Embau, @kanaloavaa

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Samantha Buglione

Doctor in human sciences, philosopher who uses the scientific method of Goethe and poetry